David Duchovny: February 2005

Friday, February 25, 2005

Então, do que se trata?



Então o filme é sobre crescer, finalmente. É sobre infância, vida adulta, completar 13 anos e completar 43 anos; e é sobre anjos como um garoto pode defini-los, porque o que são anjos senão seres que falam conosco em palavras que não conseguimos entender bem, e por isso damos qualidades mágicas a eles? Eles falam conosco em diferentes linguagens. Eles estão ao nosso redor quando somos crianças (e mesmo agora, eu quero dizer, se você olhar de perto) - o homem "lento", as mulheres presas, seus professores com os conselhos duros, seus amigos com o amor incondicional, seus melhores anjos. Oh, e eu cheguei a mencionar que é diabolicamente divertido?

Thursday, February 24, 2005

Um Conto de Fadas Moderno e Tragicômico



E aí eu pensei, puxa, deveria ser divertido. Porque aquela época da vida é tão engraçada e esquisita e sem sentido. Então eu me sentei pra escrever um conto de fadas moderno e tragicômico - que não soasse falso. Eu queria que fosse como "Cinema Paradiso" e "Conta Comigo", e como os contos de fadas de Grimm e um pouco de "Diários de um Adolescente". Eu queria que vocês rissem e chorassem - um filme real de cinema. Com uma ótima música. Eu queria que vocês vissem a dor e o humor da infância que nos fazem ser quem somos. Eu escrevi citações - "Você é o que era". Eu imaginei mudanças de vida causadas pelo menor dos atos. A mistura estava saindo de mim. Pelo menos eu espero que tenha sido assim.

Wednesday, February 23, 2005

Agora, eu precisava de um enredo



Então eu tinha o coração. Eu tinha um começo e um fim. Agora eu precisava da coluna, da história, do que acontece. Então eu a preenchi com personagens da minha infância. O amigo "retardado" do garoto, Pappass, interpretado por Robin Williams, foi levemente baseado em um homem "lento" da vizinhança que costumava brincar conosco, as crianças - beisebol, futebol, qualquer coisa, e algumas vezes ele nos batia porque ele era um homem, e às vezes um homem bastante frustrado. Ele era um de nós, mas não um de nós. E eu sabia que ele poderia funcionar em um papel do tipo Puff o Dragão Mágico - um desses protetores da infância que pairam, tão importantes, mas não conseguem fazer a travessia para a vida adulta junto com o garoto. Então ele, também, se tornou uma fonte de sabedoria improvável para o garoto. Sabedoria que o garoto não entendeu bem até muito mais tarde, quando era quase tarde demais. O garoto queria procurá-lo, também. Para agradecer a ele. E eu tinha um emprego como entregador aos treze anos, entregando carne (será que existe um emprego mais embaraçoso para um garoto de treze anos do que pedalar uma bicicleta prateada, enorme e feia, pela cidade gritando "Aqui está a carne"?) e eu pensei - eles podiam ter aquele emprego juntos. Dinheiro, garotos sempre querem algum dinheiro e independência. Para quê? Uma bicicleta - isso é o que você quer antes de querer um carro ou uma namorada. Mas é a mesma liberdade e velocidade. Uma bicicleta legal. Uma bicicleta verde e sexy. Tudo bem. E aí uma garota entra na história. Uma garota em um vestido da mesma cor da bicicleta. A história começava a tomar forma.

Tuesday, February 22, 2005

Mentores e Anjos



Então eu comecei a pensar sobre mentores e anjos e pessoas que tentam ajudar você ainda antes que você saiba que precisa de ajuda. E eu pensava que se um garoto de cerca de 13 anos (quase um homem) está tendo problemas com os quais ninguém pode realmente ajudá-lo, e ele mora em Nova York, perto daquela prisão de mulheres, e se uma daquelas mulheres o convence a falar com ela porque ela se sente tão entediada lá, mas ele nunca a vê, como Rapunzel ou outra mítica/urbana Dama da Torre. Um anjo com um penteado afro tipo Angela Davis. Um anjo provavelmente encarcerado por prostituição ou algum envolvimento com narcóticos. E se os conselhos que ela dá a ele são demais para ele entender aos treze, mas quando ele tem quarenta, ele compreende, porque finalmente está olhando para sua esposa e seu filho e as coisas que está fazendo de errado e as coisas que está percebendo. Ele finalmente compreende o antigo conselho e quer dizer obrigado porque sente que o último passo para o entendimento é a gratidão. Então ele volta para Nova York e descobre que a prisão onde ela estava é agora um jardim. Perfeito. Quase perfeito demais, e se eu tivesse inventado isto, eu me sentiria esquisito, mas é verdade - uma prisão se tornou um jardim - um perfeito reflexo no espelho para os sentimentos do homem sobre si mesmo; ele tinha se encarcerado em algum tipo de inferno psíquico e agora ele está florescendo em direção à vida adulta, de verdade. A casa de detenção dentro de cada um de nós se tornando um jardim.

Monday, February 21, 2005

Vivendo a vida do meu jeito

Quando eu tinha 27 anos, estava prestes a desistir. Eu tinha abandonado o meu doutorado e uma aparentemente promissora carreira acadêmica para tentar uma carreira como ator (ator?!), mas sentia que não estava indo a lugar nenhum. Não conseguia um emprego. Não conseguiria um emprego. Eu meio que caí de joelhos e pedi socorro. Vindas do nada, as palavras do meu professor de Latim ecoaram na minha cabeça e eu as entendi. Ele estava falando sobre viver a vida do meu próprio jeito, não através dos olhos dos outros, a diferença entre um "ser" humano e um humano "feito". Satisfaça a si mesmo e os outros estarão satisteitos. É um clichê, eu sei disso, mas clichês são chamados assim por uma razão - eles circundam a verdade. As palavras dele me confortaram. Ele havia entendido e tentado ajudar, e dez anos mais tarde, eu compreendi. Eu estava grato, mas não podia agradecer a ele. Ele tinha morrido de AIDS alguns anos antes.

Sunday, February 20, 2005

Quando eu tinha 17 anos



Quando eu tinha 17 anos, eu era um aluno brilhante, capitão do meu time, ganhador de bolsa de estudo, do tipo "vá-o-mais-rápido-que-puder". Bem no meio de uma esplêndida temporada de basquete, eu desmaiei no elevador da escola e quebrei os meus dentes da frente. Eu passei alguns dias no hospital, fazendo exames pra descobrir se estava tudo bem com a minha cabeça e o meu coração. Estava tudo bem. O único visitante de quem eu me lembro foi o meu professor de Latim, James Rogers, que era sempre muito rígido comigo e não dava a mínima para esportes; o que importava pra ele é que eu era um aluno bem mediano em Latim. Então, eu fiquei bastante surpreso ao vê-lo. Eu achava que ele não se importava muito comigo. Ele sentou na minha cama de hospital e disse, "Não se apresse em voltar." Achei que ele era maluco, e teria dito isso a ele se eu tivesse dentes com os quais formar as palavras. Ele disse, "Eles vão querer que você volte logo que consiga andar, mas você não tem que fazer o que eles dizem, nunca." Eu realmente não fazia idéia do que ele estava querendo dizer. Mas eu me lembrei do olhar dele e das palavras dele, tão cheias de significado. Eu constantemente me lembrava delas, e pensava. Aquelas palavras entraram na "mistura".

Saturday, February 19, 2005

Inspirações

Bem-vindos ao blog "House of D" - o primeiro em uma série de fóruns de discussão da Lions Gate Directors - com o diretor David Duchovny:

As inspirações para "House of D" estiveram como que "cozinhando" em mim durante anos sem que eu estivesse consciente delas. Eu cresci em Greenwich Village, Nova York, e minha mãe me contava histórias sobre a Casa de Detenção para Mulheres, uma prisão na Rua Onze com a Sexta Avenida, uma prisão para mulheres em meu próprio bairro. O que mais poderia um garoto querer? Ou eu me lembro, ou me lembro das histórias da minha mãe sobre as mulheres que se debruçavam nas barras e tentavam conversar com as pessoas que passavam na rua. Elas estavam estressadas, ou raivosas, ou assustadas, ou simplesmente entediadas. Tom Wolfe escreveu um texto sobre isto - encontros acidentais com criminosas. Eu achava tudo simplesmente fantástico. Mulheres criminosas. Nada parecido com algo que eu jamais tivesse visto em um filme americano. Era mais como Fellini. Lá estava você, caminhando com seu cachorro pela rua, e alguma prisioneira, encarcerada Deus sabia porque, de repente começava a conversar com você. No meio da área mais boêmia da maior cidade do mundo. Angela Davis* tinha sido presa lá. Diz a lenda que a mãe de Tupac Shakur estava grávida dele enquando ficou na Casa de Detenção para Mulheres. Credenciais. A prisão foi derrubada em '73. E agora é um jardim municipal. Sério. Eu não poderia ter inventado isto. Então eu tinha aquilo tudo arquivado. A mistura estava "cozinhando".

Nota da Tradutora: Angela Davis foi uma simpatizante do grupo Panteras Negras que acabou na lista dos Mais Procurados do FBI quando armas registradas em seu nome foram usadas para tentar libertar um ativista negro de um tribunal na Califórnia, em 1970.